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Abracro - 10 anos trabalhando pelo ecossistema

  • Paulo Cesar Fernandes
  • 8 de ago. de 2024
  • 8 min de leitura






EF: Quando completar 10 anos na ABRACRO, qual será o seu maior orgulho?


PF: Meu maior orgulho será a ampliação da presença institucional da associação. A ABRABRO é formada por empresas que prestam serviços e não produtos. O que estas empresas oferecem é a experiência e o trabalho de indivíduos, que muitas vezes estão muito concentrados em nichos do sector empresarial. Trabalhamos arduamente para que a nossa associação seja conhecida pelos políticos, pelas partes interessadas e pelo público em geral, e estou orgulhoso do trabalho que estamos a fazer para aumentar a presença institucional da ABRABRO e aumentar a atratividade da associação para a adesão de novas empresas. Reorganizámos a associação, melhorámos a sua governação, etc.


EF: Quais são as suas 3 principais prioridades para o resto de 2024?


PF: Atualmente, desempenhamos um papel crucial no apoio às discussões em andamento relacionadas ao Projeto de Lei para Pesquisa Clínica no Brasil. Essa lei vem sendo analisada no Congresso Nacional nos últimos 9 anos e agora está chegando a uma fase crítica. No ano passado, a lei foi aprovada pela Câmara dos Deputados, e atualmente está sendo deliberada no Senado. Após esta discussão no Senado, a lei seguirá para o Presidente da República para aprovação. Este é um momento capital para o sector da investigação clínica no Brasil. 


O nosso papel nestas discussões é garantir que se baseiam em factos e não no sensacionalismo que se pode encontrar em torno dos ensaios clínicos. É difícil educar as pessoas sobre o que fazemos. Há uma ideia antiga de que os ensaios clínicos estão a aproveitar-se das pessoas, mas isso não é verdade. São seguidos vários regulamentos para que os ensaios clínicos sejam implementados no Brasil. Apoiar estes regulamentos seria a minha principal prioridade. 


Em segundo lugar, temos um braço educacional dentro da associação que estamos a expandir para aumentar a capacidade da associação de apoiar a formação de profissionais. A ABRACRO está a defender um ecossistema mais robusto com um aumento nos ensaios clínicos que são entregues com alta qualidade. Como uma associação centrada em serviços profissionais, acreditamos que faz parte da nossa missão capacitar os indivíduos, e estamos a trabalhar ativamente para atingir este objetivo. Oferecemos cursos de formação, com planos para expandir as nossas ofertas ao longo do tempo.


Pretendemos proporcionar condições favoráveis, como bolsas de estudo e descontos, aos profissionais do sector público. É importante referir que todos estes esforços são realizados sem fins lucrativos; as receitas geradas pelas nossas actividades educativas são reinvestidas na educação.


O nosso terceiro objetivo é continuar a expandir o alcance e o impacto da associação. À medida que o ecossistema amadurece e o mercado se expande, surgirão mais indivíduos com perspectivas empresariais, procurando abordagens inovadoras para a investigação clínica no país. O nosso objetivo é expandir a associação para envolver estes indivíduos e apoiar o seu desenvolvimento, os seus conhecimentos únicos e a sua experiência. A interação e a aprendizagem com líderes de mercado estabelecidos enriquecerá ainda mais as suas capacidades. Esta interação promoverá resultados positivos no ecossistema. Esse objetivo representa nossa terceira prioridade: preparar o Brasil para se tornar uma força líder em pesquisa clínica na próxima década.


EF: Pode explicar como a lei 6007/2023 é um passo na direção certa para o Brasil?


PF: O Brasil apresenta um excelente ambiente para a realização de ensaios clínicos devido a regulamentações robustas tanto das autoridades reguladoras, como a ANVISA, quanto das autoridades éticas locais e nacionais. Beneficiamos de regras bem definidas que garantem que os ensaios são realizados de forma segura, permitindo simultaneamente a participação do país no desenvolvimento clínico. No entanto, apesar do ambiente regulatório maduro, persistem desafios para alcançar a previsibilidade em relação aos prazos de avaliação dos ensaios. É essencial clarificar que os ensaios devem ser avaliados exaustivamente e apenas aprovados se cumprirem normas rigorosas de segurança e estrutura.


A lei 6007/2023 tem como objetivo aumentar a previsibilidade do mercado, simplificando o processo de avaliação, reduzindo a burocracia e melhorando a competitividade em comparação com outros países do mundo. Esta lei tornará os ensaios mais seguros para os participantes e também protegerá os investidores que assumem o risco financeiro de desenvolver um novo tratamento ou intervenção através da implementação de ensaios clínicos no país. Isso deve incentivar o crescimento do mercado, e os resultados desse crescimento podem ser usados para apoiar o ambiente local para que mais ensaios sejam propostos no Brasil. Este é um objetivo que se alinha com a nossa missão. Para além de expandir o mercado para a realização de ensaios globais, pretendemos fomentar o desenvolvimento de ensaios conceptualizados e organizados no Brasil que possam ser executados à escala global.


EF: O que os membros da sua associação estão fazendo para ajudar a acelerar a avaliação dos ensaios clínicos e tornar o Brasil um líder nesse setor?


PF: O quadro de associados da ABRACRO é dividido quase que igualmente entre empresas do exterior e empresas brasileiras. Entre as empresas estrangeiras estão as CROs já estabelecidas que realizam ensaios clínicos para biotechs e empresas farmacêuticas globais. Estas organizações trazem inovação para o mercado, especialmente em tecnologias digitais destinadas a melhorar as experiências dos participantes e permitir ensaios complexos sem visitas frequentes ao local. As suas tecnologias inovadoras e os novos desenhos de ensaios, como os desenhos adaptativos, estão a ter um impacto significativo no panorama da investigação clínica no Brasil. 


Isto é benéfico para o Brasil porque, para além de apenas implementarem os seus ensaios e alcançarem os seus objectivos, estas empresas estrangeiras também contribuem com conhecimentos valiosos para a indústria brasileira. Particularmente à luz da pandemia, há uma ênfase global no desenvolvimento de capacidades. Realizar ensaios não é apenas conduzi-los, mas também deixar para trás conhecimentos e capacidades sustentáveis. Estas empresas estão a desempenhar um papel importante neste contexto. Por outro lado, as empresas brasileiras, por estarem familiarizadas com o mercado local, especializam-se frequentemente em áreas de nicho como a logística, onde trazem soluções inovadoras e serviços profissionais altamente especializados. 


De um modo geral, observo que as nossas empresas associadas apoiam ativamente o ecossistema. Além disso, tem havido uma tendência recente, particularmente em 2023, de empresas de tecnologia de saúde especializadas no domínio de ensaios clínicos mostrando interesse em se juntar à ABRACRO e colaborar com empresas brasileiras. Essas empresas estão desenvolvendo soluções de software sob medida para ensaios clínicos. Todos os nossos membros estão, de uma forma ou de outra, a apoiar um mercado mais bem estruturado.


EF: Como descreveria o estado atual da gestão de dados em termos de assegurar dados limpos e fiáveis? Além disso, como é que imagina o futuro da gestão de dados, especialmente a IA e os modelos linguísticos? 


PF: Temos um conselho composto por representantes das nossas empresas associadas. No âmbito deste conselho, temos uma estrutura de gestão em que pessoas como Fernando Rezende, o nosso Diretor Executivo, e eu próprio, ajudamos a facilitar as actividades internas. A maior parte do trabalho interno é efectuada por voluntários dedicados das empresas associadas. Estes voluntários envolvem-se com os líderes e representantes das suas empresas para participar, deliberar e contribuir para a associação.


Temos comités no seio da associação que abrangem várias áreas, tais como operações clínicas, assuntos regulamentares e importações. Em 2024, criámos dois comités internos adicionais: um centrado nas provas do mundo real e outro nas tecnologias digitais. Estes comités servirão como fóruns para aprofundar a nossa compreensão e desenvolver conhecimentos especializados nestas áreas críticas da tecnologia, tanto no presente como no futuro.


À medida que a nossa associação cresce, os comités internos também assumirão a responsabilidade de educar os nossos executivos com o conhecimento necessário para se envolverem em discussões com os reguladores. Por exemplo, a ANVISA está interessada em tópicos como software para dispositivos médicos ou intervenções digitais. Estamos a preparar o nosso ambiente interno para participar em discussões substanciais sobre tendências emergentes, particularmente em áreas como a inteligência artificial e a aprendizagem automática (AIML), que estão prestes a tornar-se comuns no desenvolvimento clínico. 


A AIML tornar-se-á em breve uma ferramenta essencial, semelhante à eletricidade, e nós estamos no terreno a explorar ativamente formas de automatizar a extração de dados de registos médicos electrónicos para minimizar os erros de transcrição e maximizar a eficiência da geração de dados. Essa é uma área muito inovadora, que ainda carece de soluções em todo o mundo, não apenas no Brasil.


Na América Latina, incluindo o Brasil, ainda há uma dependência significativa de prontuários médicos em papel, necessitando de avanços na tecnologia de reconhecimento ótico de caracteres (OCR) para digitalizar e processar esses dados de forma eficaz. Embora estas tendências ainda estejam a emergir, estamos empenhados em alavancar soluções e tecnologias inovadoras para impulsionar o progresso na nossa associação e no ecossistema de cuidados de saúde em geral.


EF: Porque é que investir em ensaios clínicos no Brasil é mais valioso do que em qualquer outro lugar? 


PF: A diversidade da população representa uma vantagem significativa para o país e para a região. A necessidade de generalizar os resultados e controlar os custos de desenvolvimento levará a indústria a procurar locais onde os grandes ensaios possam ser realizados de forma eficiente com populações diversas. Há muita pressão no desenvolvimento clínico em relação aos prazos, e o Brasil, assim como a América Latina como um todo, oferece amplas oportunidades para a realização de ensaios extensos com populações diversas. Em vez de realizar ensaios em vários locais do mundo e agregar estatísticas posteriormente, por que não incorporar o Brasil em todos os ensaios de Fase 2 e Fase 3? Esta abordagem não é apenas económica devido aos custos de mão de obra mais baixos na América Latina, mas também facilita a generalização de dados numa vasta gama de indicações. 


O Brasil possui uma autoridade regulatória que está em conformidade com o ICH e é membro do conselho do ICH, criando um ambiente propício com regulamentos robustos e profissionais qualificados - uma combinação inigualável na minha experiência. 


EF: Quais são os benefícios económicos de o Brasil se tornar um pólo de inovação em ciências da vida?


PF: A cadeia de valor agregado dos ensaios clínicos vai além da realização dos próprios ensaios. Requer um ecossistema abrangente que envolva logística, empresas especializadas e capacidades laboratoriais avançadas para testes de diagnóstico para além dos biomarcadores de cuidados regulares. O desenvolvimento destes aspectos é crucial para apoiar eficazmente a investigação clínica. Além disso, a criação de caminhos para que a academia entre no setor farmacêutico vai preencher a lacuna entre a pesquisa e as aplicações práticas, permitindo que as inovações brasileiras passem da bancada para o leito de forma mais eficiente - uma transição que muitas vezes falta na América Latina. 


Ao expandir a pesquisa clínica, prevemos impactos positivos em vários setores. Por exemplo, apesar de haver um forte ecossistema de pesquisa clínica, poucas faculdades oferecem disciplinas dedicadas a ensaios clínicos em seus currículos. O fortalecimento da indústria de pesquisa clínica criará um ciclo de feedback benéfico com a academia, beneficiando ambos os lados. Além disso, este crescimento estender-se-á a outros sectores, como a logística, o diagnóstico, a tecnologia da saúde e as soluções de software. 


Atualmente, estamos testemunhando iniciativas governamentais significativas e financiamento para biotecnologia, exemplificado pelo investimento da FINEP em inovação em diferentes setores, incluindo biotecnologia. O aprofundamento da investigação clínica no Brasil terá, sem dúvida, um impacto económico substancial e positivo - uma direção que estamos a seguir ativamente.


EF: Há alguma mensagem final que gostaria de partilhar com o resto da indústria da saúde?


PF: Um aspeto fundamental da nossa discussão de hoje centrou-se no projeto de lei que visa apoiar ainda mais o nosso ambiente de ensaios clínicos. O Brasil já é um local forte para a realização de ensaios clínicos, com médicos e investigadores respeitados que têm um historial comprovado na região. Embora as melhorias na velocidade de avaliação sejam cruciais, já estamos bem posicionados no sector. 


Apesar dos desafios colocados pela pandemia da COVID-19, o Brasil desempenhou um papel significativo em vários projectos de desenvolvimento de vacinas e tratamentos, demonstrando um elevado desempenho e qualidade. Reconhecemos a necessidade de melhoria contínua e agilidade, especialmente no domínio da tecnologia em rápida evolução. O sistema de saúde do Brasil é vasto, supervisionado por um governo que se estende como um continente. À medida que nos esforçamos por crescer e melhorar, reconhecemos a importância de nos adaptarmos rapidamente aos avanços tecnológicos e de mantermos a nossa base sólida no panorama da investigação clínica.

 
 
 

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